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Artigo | A hora e a vez do autoprodutor

13/09/2022 Artigo | A hora e a vez do autoprodutor

por FREDERICO BOSCHIN

O cenário energético global passa por importantes transformações, com destaque para as formas renováveis de geração, mais eficientes e distribuídas, que tendem para o abastecimento de um mercado consumidor de energia elétrica novo, intenso e célere, alinhado com todas as inovações tecnológicas, desde a digitalização das unidades de consumo até a utilização de veículos elétricos. 

No Brasil não tem sido diferente, haja vista a geração distribuída por fonte solar fotovoltaica, que atingiu 10GW de potência instalada, quase equivalente à Usina Hidrelétrica de Belo Monte. 

A principal disrupção causada pela geração distribuída reside no fato de que os consumidores, que até então não tinham opção para o seu abastecimento de energia elétrica a não ser o mercado cativo, têm hoje a possibilidade de gerar a sua própria energia - seja junto à carga ou remotamente, por meio de equipamentos próprios ou alugados, com economias significativas devido a não aplicação de tributos, reajustes tarifários e aplicação das bandeiras tarifárias. 

Dado a essas vantagens, existem hoje quase 1 milhão de consumidores com sistemas de  geração distribuída conectados às redes de concessionárias no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (“SCEE”), previsto pela REN 482/2012, revisado pela Lei 14.300/2022,  que beneficiam uma parcela muito pequena quando comparado com o total de consumidores e carga total de energia elétrica consumida no Brasil.  

Na prática, esta é a tendência que se manifesta de forma mais clara aos consumidores de energia: a geração própria. Todavia, gerar a própria energia não é intenção de consumidores residenciais ou atendidos por concessionárias de distribuição. Isso porque as recentes e acaloradas discussões acerca das novas regras a serem aplicadas na geração distribuída (com o recente advento da Lei 14.300) e os eventuais encargos a serem cobrados devido ao uso da rede, causaram não só insegurança regulatória para novos empreendimentos, mas o desgaste da relação entre consumidores e distribuidoras. E isso deve frear os investimentos e o crescimento exponencial do setor de geração distribuída ocorrido nos últimos anos. 

Por outro lado, o mercado livre igualmente vive seus momentos de mudanças e de aprimoramentos. Nada de novo até aqui, visto que é um mercado mais maduro e acostumado a estritos regulamentos e complexidades técnicas, em especial no âmbito do Projeto de Lei 414, que trata da abertura e modernização do setor elétrico como um todo.

O fato novo é que o mercado livre vive um  momento bastante propício para a penetração da energia solar, tal como ocorreu com o mercado cativo e a geração distribuída.

Uma vez que os custos de energia passaram por reiterados e severos reajustes nos últimos anos (decorrência da crise hídrica), cada vez mais os consumidores livres de energia vem optando pela geração própria  – a chamada autoprodução.

Conceitualmente, autoprodutor é a pessoa física ou jurídica, ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo, podendo, mediante autorização da ANEEL, comercializar seus excedentes de energia.

Assim, um conceito de autoprodução que surgiu no início dos anos 90  - destinado e restrito a empreendimentos centralizados construídos e geridos por corporações eletrointensivas, em especial siderúrgicas e montadoras com gerações hidráulicas remotas-, com o advento da tecnologia solar e custos compatíveis, vivencia um momento atípico: a tecnologia solar no mercado livre alcança seu grande concorrente e inibidor de expansão - o preço da energia nesse mercado. 

Caso se considere que, no cenário atual, a geração solar tem custo igual ou inferior à aquisição de energia por meio de contratos CCEALs, especialmente em aplicações na carga, em que a simultaneidade entre curva de carga e curva de geração favorece a autoprodução de energia, não por acaso a geração solar igualmente tem momento favorável no mercado livre de energia.

Os benefícios são econômicos e viabilizados graças a uma convergência de fatores rara em um país de custos crescentes: tecnologia com custos decrescentes, descontos e exonerações tarifárias/setoriais (PROINFA, CDE e CCC) e repercussões tributárias que trazem para o concorrido mercado livre de energia as vantagens da geração solar descentralizada, ou “distribuída”.

Para os consumidores que dispõem de autoprodução de energia junto à carga, a aferição do consumo é líquida. Isso logo de início limita o autoprodutor ao pagamento de encargos setoriais e tributos, que usualmente são cobrados sobre o consumo de energia elétrica adquirida de terceiros, seja no âmbito do mercado cativo ou livre. 

Diferentes estruturações e gestão energética têm ainda o condão de melhorar os benefícios trazidos ao autoprodutor, tais como a compra no mercado livre do déficit não produzido ou da venda da energia excedente.

Não obstante a notória a liquidez do mercado financeiro e a disponibilidade de crédito em condições facilitadas para empreendimentos de energia, o que atrai  consumidores de energia interessados em tornarem-se autoprodutores, seja por meio de ativos próprios, ou de ativos de terceiros, são as tendências de aumentos nos custos de energia e a facilidade na aplicação da tecnologia solar. 

A autoprodução deve ser a nova onda do mercado de energia (distribuída) descentralizada, principalmente para aqueles consumidores com possibilidades de geração junto à carga, e isso deve exigir maior conhecimento técnico do que a geração distribuída, diante de sua complexidade regulatória, jurídica, contábil e fiscal.